“História do Síndroma de Rett “



Neuropediatra
DrªTeresa Temudo

Diretora do serviço de Neuropdiatria do Centro Hospitalar do Porto

        

"Um dia, na Primavera de 1965, vi duas mães na sala de espera do meu consultório com as filhas ao colo. Ambas as crianças balançavam o tronco e as mães seguravam os seus braços. Eu conhecia bem estas meninas, que tratara por terem crises epiléticas.
Nessa manhã passei por elas repetidamente e, por acaso, as mães soltaram-lhes os braços. De imediato elas juntaram as mãos e iniciaram movimentos de lavagem de aspeto quase idêntico. Pedi às mães que não impedissem estes movimentos, e fiquei assustado com as semelhanças. Era o mesmo olhar, a mesma expressão facial, os mesmos músculos fracos e os mesmos movimentos estereotipados das suas mãos. Além disso, eram ambas do sexo feminino.
No início, fiquei surpreendido com esta enorme coincidência e pensei se já me teria deparado com várias outras crianças com estes sintomas.
Pedi à minha enfermeira chefe que olhasse para estas crianças e ela recordou imediatamente mais alguns nomes de crianças que se comportam de forma semelhante. Convidámo-las, colocámo-las umas ao lado das outras e descobrimos que todas elas mostravam o mesmo tipo de movimentos. Além disso, todos os doentes eram do sexo feminino".

(Andreas Rett, carta não publicada para a Associação da Síndrome de Rett, 7 de junho de 1985).
A publicação original das observações de Rett, que caracteriza o distúrbio de desenvolvimento neurológico que agora tem o seu nome, apareceu em 1966 no boletim médico austríaco, Wiener Medizinisch Wochenshrift . Este artigo clínico, como a maioria das publicações de Andreas Rett, não foi amplamente divulgado e passou despercebido ao mundo anglófono. Percebendo as limitações da publicação apenas na literatura alemã e tendo-se convencido de que esta síndrome era uma entidade diferente, preparou um filme e um folheto,
"Um tipo especial de atrofia", levando-o a reuniões pediátricas por toda a Europa. A primeira descrição inglesa da síndrome de Rett apareceu no Handbook of Clinical Neurology, em 1977.
Em 1978, independentemente de Rett, Ishikawa e colaboradores do Japão descreveram, numa breve nota, três raparigas com os mesmos sintomas e sinais clínicos descritos por Rett. Esta publicação também passou despercebida.
Em 1980, Karin Dias, uma neurologista pediátrica portuguesa, convidou Bent Hagberg para dar uma conferência sobre Paralisia Cerebral - um assunto que era o principal interesse deste neurologista pediátrico sueco.
Durante o coffee-break da reunião, eles caminharam ao longo dos jardins que rodeavam o edifício onde decorria a conferência. Os médicos vão aos congressos com os casos não diagnosticados nos bolsos, tal como as crianças fazem com os autocolantes dos jogadores de futebol. Mas, ao contrário das crianças, procuram "autocolantes" repetidos e, quando os encontram, descrevem uma "nova" doença. Isto foi o que aconteceu na altura.
Karin Dias (ainda sem conhecer o capítulo de Rett publicado no Manual de Neurologia Clínica) perguntou a Bent Hagberg se alguma vez tinha visto um tipo especial de raparigas com paralisia cerebral, que tinham a particularidade de fazer estereotipias manuais contínuas. Ela tinha quatro casos, todos semelhantes. Nessa altura, ele respondeu que tinha visto esse quadro clínico em ambos os sexos, mas como Karin insistiu que só as raparigas pareciam ter tais sintomas, prometeu-lhe que quando regressasse à Suécia iria verificar os seus ficheiros de registo.
Algum tempo depois, escreveu-lhe uma carta confirmando que só encontrou mulheres com as características acima mencionadas, e apresentou os dados clínicos de 16 raparigas, em 1980, numa reunião de Neurologia Infantil, em Manchester.
Jean Aicardi, um famoso neurologista pediátrico francês, esteve nessa reunião e disse a Hagberg que também tinha várias raparigas com os mesmos achados clínicos. Em novembro de 1983, foi escrito um artigo, com 35 raparigas diagnosticadas como "Morbus Vesslan" (o apelido da primeira rapariga com síndrome de Rett observado por Hagberg: Anne-Marie Vesslund) na Suécia, Portugal e França.
Foi uma colaboradora de Jean Aicardi, consultando um volume do Handbook of Clinical Neurology (2), que notou que a "Morbus Vessland" já tinha sido descrita por Andreas Rett. Imediatamente, mudaram o nome do título da publicação desta nova entidade para "Síndrome de Rett".
O artigo foi publicado numa conhecida revista neurológica, e os critérios diagnósticos para a síndrome foram estabelecidos na segunda conferência internacional sobre a síndrome de Rett, em Viena. Embora apenas três artigos médicos tivessem sido publicados, entre 1961 e 1983, quase 300 apareceram nos oito anos após a publicação nos Anais de Neurologia. .

A síndrome de Rett (RTT) foi reconhecida em todo o mundo, vista em todos os grupos étnicos, e conhecida por aparecer com um padrão de variabilidade clínica cada vez maior. Entretanto, no Outono de 1983, uma jovem mulher chamada Houda Zoghbi estava a fazer um estágio em neurologia pediátrica, em Houston.
Ela tinha lido o primeiro relato da síndrome de Rett numa revista médica americana; no espaço de 2 semanas, encontrou duas raparigas que tinham os sintomas clássicos da doença. Dois anos após o primeiro encontro com doentes com esta doença, Zoghbi pôs de lado a sua carreira clínica e formou-se formalmente como investigadora em Genética na esperança de compreender as causas de doenças como a síndrome de Rett. Em 1999, mais de 30 anos após a primeira descrição clínica, ela descobriu o gene responsável pela síndrome de Rett.

DrªTeresa Temudo



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